sexta-feira, 24 de agosto de 2012


Contra o produtivismo, um protesto solitário

Compreender as condições nas quais se reproduz a sociedade brasileira, iluminar os conflitos e a condição profundamente desigual desse processo, requer dos pesquisadores a disposição de "habitar o tempo lento" imposto pela atividade do conhecimento. Esta compreensão –  como prova a história do conhecimento – não é individual, pois pressupõe o debate de ideias entre pares, fundado no respeito à diferença e nas possibilidades postas pela diferença de vertentes e posições teórico- metodológicas que, antes de se conflitarem, se enriquecem. Esse processo exige tempo e condições de trabalho, exige também compromissos, e exige, ainda, disposição para o debate. O trabalho individual de reflexão/análise se coloca como pressuposto da elaboração do conhecimento, condição do debate

 Nesse sentido, se não há uma verdade absoluta que se eleva no horizonte, tampouco existe somente um único caminho possível para pensar/interpretar o mundo. Por outro lado, penso que nosso papel na universidade é o de ensinar formando cidadãos, criando condições, dando-lhes ferramentas para construir essa interpretação. Mas, sem uma  pesquisa que se debruce sobre a realidade, sem uma reflexão profunda e sem fundamento, exigidos pelo árduo trabalho de "gabinete", o que vamos ensinar-lhes?

Não sendo o único centro de produção do conhecimento, a universidade é, no entanto, o lugar precípuo desta possibilidade, que, para se realizar, precisa criar as condições necessárias dessa atividade. Trata-se de abrir espaços onde, sem preconceitos, possa desabrochar a diferença dos modos de pensar o mundo. A condição de independência e do exercício da liberdade de pensar se apoia na realização desta virtualidade. Mas o tempo da reflexão, cada vez mais consumido em papéis (hoje virtuais), relatórios e pareceres, de todos os tipos, definha sem percebermos. Em todos os lugares, a conversa aponta a "falta de tempo".

Não importa se nosso trabalho analisa o mundo, desvenda suas contradições mais profundas; se com a produção de um saber construímos os caminhos de um país independente. A universidade espera resultados quantitativos, muitos artigos publicados –  ninguém se pergunta ou questiona seus conteúdos, se guardam alguma possibilidade fecunda de conceber este mundo e nossa realidade desigual e dependente - muitas participações/organizações de congressos, seminários, worshops - não importa se com eles aprende-se algo, se depois de exporem seus trabalhos as pessoas se dão ao, trabalho de permanecerem para o debate. E ainda poucos se preocupam com os debates, posto que o centro das preocupações é o certificado de uma "presença ilusória". Mas há mais. Solicitação de pareceres de todos os tipos, salas apinhadas, reitores autoritários, falta de ambiente acadêmico.

Diante deste cenário e da necessidade sempre ampliada do preenchimento do lattes, o que fazer? Há muitas estratégias. Posso correr de um colóquio a um workshop apresentando trabalhos "quase iguais, etc.  “Estou tão cheia de trabalho burocrático que ainda bem que meus alunos escrevem artigos e colocam meu nome; senão não teria nada no currículo". Foi o que ouvi, quase literalmente, de uma colega em uma de minha viagens.

Outro dia, ao abrir a internet para ver o último lançamento de uma revista, constatei que uma porcentagem considerável dos artigos estava assinada tanto pelo seu autor verdadeiro quanto pelo seu orientador. Façamos uma conta, rápida: 10 orientandos escrevendo 2 artigos por ano somam 20 artigos no "currículo Lattes" de seu orientador. Parece tentador!

"Se os outros programas de pós-graduação fazem isso para aumentar a nota junto à CAPES, também faço...", ouvi de outro colega, coordenador de um programa de pós-graduação! Por uma nota melhor – em substituição ao reconhecimento e importância da produção acadêmica realizada– cada programa de pós-graduação torna-se não um parceiro de debate, mas, antes, um competidor. Mas até que ponto a CAPES (que somos nós) privilegia e cobra esse comportamento destrutivo dos professores? Onde e quando foi decidido pela comunidade geográfica que o mestrado deve ser concluído em 18  meses? Que se deve publicar cada vez mais (não importa com que conteúdo), que orientadores devem assinar, como coautores, pesquisas orientadas, quando sabe-se que existe até mesmo lei de direto autoral indicando que orientador não é coautor (lei cuja existência de maneira alguma substitui a ética)? 

Será que a comunidade acadêmica está contente com essa situação? Quando foi que perdemos nosso discernimento e consciência sobre nosso papel de educadores, de formadores, de pensadores?

Um manifesto do GEU – Grupo de Estudos Urbanos –, que apontava com mais profundidade e amplitude essa situação durante o Simpósio de Geografia Urbana realizado em Brasília em setembro de 2009 caiu no vazio. Ainda outro dia recebi um e-mail de "corajosos professores da Paraíba" que se desligaram de seus programas de pós em protesto contra este estado de coisas. Decisão solitária, sem prováveis seguidores. Isso não soa como um alerta?

Nossa associação estaria preocupada com a situação dos programas de pós-graduação em Geografia e com as condições em que se realiza o ensino e a pesquisa, no Brasil? Ou a avaliação é de que "tudo vai bem"? Não seria o caso da ANPEGE abrir, em seu calendário, um lugar de debate para revermos essas práticas produtivistas e anti-éticas? Faz-se necessário que cada programa de pós-graduação veja no outro um parceiro de debate, um cúmplice na produção do conhecimento sobre a realidade brasileira.

Estou absolutamente convicta do papel da Geografia na compreensão do mundo moderno, onde o espaço vem assumindo um protagonismo inédito na compreensão da realidade de hoje. Mas isto exige trabalho de pesquisa, reflexão, ambiente de debate.

Meu protesto solitário: retiro-me da comissão científica de todas as revistas brasileiras das quais participo e que aceitam artigos em coautoria orientador/orientando sobre pesquisas orientadas, como procedimento correto e justificável.

                        Se achar pertinente divulgue, se quiser aderir, aja, há muitos campos de ação, procure um ou junte-se a esse!

                                                                       Ana Fani Alessandri Carlos

                                                                                  24/08/2012

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Uma abordagem





O curso de GEOGRAFIA DA METRÓPOLE desdobra-se a partir de uma concepção de urbano construída ao longo do curso de GEOGRAFIA URBANA, não mais com o objetivo de construir os conteúdos de uma "geografia urbana possível" localizando a produção da cidade ao longo do processo histórico, desvendando sua morfologia, mas focando o modo como a metrópole aparece e constitui-se no século XXI em suas contradições no movimento da reprodução da sociedade capitalista mundializada. Aqui a noção de "produção do espaço" coloca-se no centro do debate e orienta a reflexão com novas exigências teóricas.


Da  "Geografia Urbana"  à "Geografia da Metrópole"

A produção do espaço como condição imanente da produção social no contexto da produção civilizatória.Não existiria uma sociedade a -espacial - todas as relações coais se realizam como atividades determinadas por um espaço e um tempo.

Neste raciocínio as relações sociais se materializam enquanto relações espaciais com significados diferenciados em função do momento histórico revelando-se enquanto prática sócio-espacial. Assim o espaço passa a ter uma dupla determinação – é localização das atividades, lócus de produção, mas é expressão do conteúdo das relações sociais. Nesta condição é produto social e histórico ao mesmo tempo que realidade imediata, passado e presente, sem deixar de conter o futuro que emerge como condição de vivência dos conflitos.

O fundamento encontra-se na relação intrínseca entre o processo de produção da humanidade do homem e o processo de produção do espaço ao longo da história (significa dizer que ao construir sua vida, o homem produz um espaço). Aqui a cidade se revela como obra da história humana constituindo-se a cada momento com particularidades específicas (em sua determinações históricas específicas) apontando a "produção" como categoria central de análise.

O momento atual - no qual se situa a reflexão sobre a metrópole -sinaliza o movimento de passagem da hegemonia do capital industrial à hegemonia do capital financeiro.

A cidade e o urbano, aparecem como momento da reprodução da sociedade saída do movimento da industrialização, como aponta Henri Lefebvre criando novos conteúdos do processo de urbanização. Como pano de fundo a "a reprodução" como categoria central de análise em sua historicidade, para entender os conteúdos da problemática urbana.

O sentido da acumulação do capital  aponta a produção de um novo espaço e de novas relações sociais bem como da constituição de um “novo homem”, revelando a produção num sentido amplo em seus desdobramentos. E nesta condição nos permite pensar o momento atual como aquela da “reprodução”. Sem todavia deixar de envolver novas produções.

O capitalismo cria suas próprias condições de reprodução. O momento atual é aquela da ampliação do mercado mundial do processo de reprodução capitalista, da redefinição das centralidades, envolvendo todo o espaço.

Abre-se, assim duas dimensões; a) mundialidade como constituição do espaço mundial com a manifestação de novas contradições e o aprofundamento entre os espaços integrados-desitegrados ao capitalismo globalizado, sob a égide do estado redefinindo a relação deste com a economia e com o espaço, b) as transformações no nível do local, vividas nas práticas da  vida cotidiana. Neste processo a metrópole se constitui como importante mediação entre o local e o mundial.