quarta-feira, 19 de junho de 2013


A luta é urbana, o caminho esta ainda sendo construído

                O urbano é agora a escala do mundo. O que esta posto para o debate como produto da contestação,  como momento em que a luta se impõe como necessidade e desejo (entrando em conflito com a passividade do cotidiano), numa escala mais ampla, é o "direito à cidade", como direito à vida urbana em sua plenitude. E só o debate e a reflexão permitirão pensar os passos seguintes.

                O corpo tomando os espaços construídos para os carros vão revelando os conflitos que estão na base de nossa sociedade. Algumas questões aparecem no horizonte: a) o voto na urna tem justificado, que depois de eleito, o político e o partido podem fazer o que quiserem e como quiserem.  Os partidos políticos fazem alianças sem se preocupar com o que a sociedade pensa, mas em "nome dela". Um minúsculo exemplo revela o modo como se faz política no Brasil: o vice-governador de São Paulo é ministro e não vê nenhum problema nesta atitude, e todos acham normal e pior, acham que é tema para o debate! Seria irônico se não fosse trágico! O exercício de  nossa democracia precisa ser repensada;  b) as ruas - espaços públicos por excelência, mas pensado como lugar dos carros - apontam  indignação e descontentamento com a vida na metrópole e o modo como se constrói o espaço urbano separando moradia do trabalho e lazer. A proposta do "Arco do Futuro" não vai  resolver este problema. Os frequentes processo de valorização do espaço urbano tem afastado os pobres para  periferias cada vez mais distantes,  situação que o projeto vai aprofundar; c) o transporte é apenas um dos direitos do cidadão. Ele precisa morar dignamente, ter acesso a saúde, alimentação. Ele precisa de educação de qualidade e cultura, ao lazer. E acesso ao centro e a centralidade metropolitana! Diretos de ir e vir, num transporte coletivo digno e ubíquo na metrópole que garanta, em pouco tempo, o direito de acesso à vida na metrópole e com horários estendidos. Não se diminui o preço da passagem de ônibus aumentando o IPTU, mas repensando o orçamento e suas prioridades, o modo com o ele se constrói  as alianças que privilegiam os setores imobiliários, as empresas de  transporte, as grandes construtoras, o modo como se abrem os cofres públicos criando infraestrutura e incentivos para a iniciativa privada, sob o discurso de que geram empregos; d) o aprofundamento da  segregação como característica de uma metrópole que se constitui  como negócio passível de ser lida  pela valorização advinda da construção de infraestrutura que abre espaço para novos negócios privados em detrimento dos moradores dos lugares atingidos, posto que expulsam a "população não compatível" (para utilizar um termo corrente no planejamento) nas das áreas renovadas, etc..

                A cidadania não tem por conteúdo a qualidade de vida, nem sem reduz à posse de  bens de consumo. As manifestações urbanas, por excelência, apontam os problemas vividos e, porque urbanas, reúnem uma gama de situações que iluminam os níveis da realização da vida e da necessidade de participação, de forma mais ativa, nas decisões. Portanto o direito de ser ouvido e de participar dos rumos da sociedade como um todo.

Numa sociedade urbana a luta realiza-se  de outra forma e o modo de lidar com ela é não criminalizá-la nem subestimá-la. Estamos adentrando numa nova forma de sociedade que exige uma novo modo de diálogo que é o que esta sendo construído, agora, nas ruas.

                                                                                                           Ana Fani Alessandri Carlos

segunda-feira, 17 de junho de 2013

Nem 3,20 nem 3,00: o problema é bem mais complexo.

    
A porcentagem de população que esta abaixo da linha da pobreza diminui, no Brasil, mas uma parte significativa da população da metrópole paulistana vive com salários irrisórios aonde a concentração exacerbada da riqueza separa e segrega com violência (a violência como conteúdo da urbanização, que não aparece nos jornais, nem ganha espaço nos noticiários). Em São Paulo, no ano de 2010, 36,4% da população recebia até 2 salários mínimos. Numa metrópole que se reproduz aumentando cada vez mais o deslocamento casa/trabalho e a fadiga do percurso (subtraindo o tempo do lazer e do descanso), o preço e a qualidade do transporte (aliado políticas urbanas que expulsam os pobres das áreas centrais de metrópole) limita a realização da vida. Daí as cenas dos transportes insuficientes, lotados transportando por horas à fio, trabalhadores apinhados como gado, que vivem amontoados nas periferias desurbanizadas. Já a vida cotidiana se apresenta, tendencialmente, invadida por um sistema regulador, em todos os níveis, que formaliza e fixa as relações sociais reduzindo-a a formas abstratas limitando os usos do espaço diluindo direitos de acesso à metrópole como um todo.

Matar a fome, dar acesso precário à moradia, permitir o ir e vir com altos preços e pouca qualidade não é construir as condições necessárias à realização do humano, é apenas esboçar "direitos" que asseguram a legitimidade da expropriação infinita e sempre reposta da desigualdade socioespacial. Deste modo a prática espacial na metrópole aponta o empobrecimento e a deterioração da vida social que é fonte de privação diante da extensão da mercantilização que vai junto com a privatização do mundo. Portanto, a situação do cidadão reduzido às condições de mera sobrevivência aponta a destituição do sentido da vida e da dignidade humana e realiza a desigualdade como seu fundamento.

Assim o processo de urbanização é condição mas também produto da realização do processo de crescimento, sob a lógica e racionalidade, que sustenta uma sociedade que vive sob o império sombrio da norma, da regularização que se impõe ao sujeito subsumindo-o e impondo às relações sociais suas estratégias como naturais da sociedade.

Convém não esquecer que a desigualdade é a condição histórica que se repõe constantemente ganhando novos contornos e aprofundando-se: o aumento do desemprego, a deterioração do emprego formal, a extrema concentração de renda, a fome, a vida como sobrevivência, são o desdobramento de uma história anunciada de uma exploração desmedida perpetrada pelo processo de crescimento que não gera desenvolvimento, apesar da retórica.

Mas o cidadão desprovido dos conteúdos da cidadania continua se reproduzindo numa luta constante pela sobrevivência e nela a consciência de que reduzido a suas necessidades básicas (comer, beber, dormir,) realiza a condição inicial e natural de sua vida como o outro do humano. Daí a resistência!

Os movimentos sociais sinalizam, portanto, a consciência da "privação", e portanto, sua leitura não pode fechar-se à esfera dos bens necessários a realização da vida, posto que iluminam a escala da realização dos desejos de criação de um projeto capaz de abrir-se para a construção de uma outra sociedade. Não se referem, portanto à escala, do ter - presa a necessidade e ao consumo. As lutas surgem nos interstícios da vida cotidiana como consciência das desigualdades vividas em vários planos. Portanto as resistências apontam um único significado reunindo várias perspectivas (bandeiras) nas quais se realiza a desigualdade e a privação constituidoras da vida metropolitana. Ao se unirem os movimentos reivindicatórios questionam aquilo que funda nossa sociedade: a apropriação diferencial da riqueza, a desigualdade, os desmandos do poder. Movem-se no sentido de questionamento da lógica do crescimento e das alianças políticas que se realizam contra o social. Aparecem como luta pelo espaço da metrópole, por um espaço democrático aonde possam exprimir-se e decidir sobre seu destino.

Assim as lutas introduzem e exigem práticas democráticas postando na mesa de negociações os interesses da sociedade como um todo contra os interesses dos empresários, como realização objetiva de lucros seja nos setores diretamente produtivos, seja no plano dos investimentos e da especulação.Portanto, a renda é significativa mas não revela a extensão da crise urbana que é antes, social.

O recurso irracional à força impede o diálogo e amordaça a livre manifestação da discordância, fundamento da democracia.

Ana Fani Alessandri Carlos