A
porcentagem de população que esta abaixo da linha da pobreza diminui, no
Brasil, mas uma parte significativa da população da metrópole paulistana vive
com salários irrisórios aonde a concentração exacerbada da riqueza separa e
segrega com violência (a violência como conteúdo da urbanização, que não
aparece nos jornais, nem ganha espaço nos noticiários). Em São Paulo, no ano de
2010, 36,4% da população recebia até 2 salários mínimos. Numa metrópole que se
reproduz aumentando cada vez mais o deslocamento casa/trabalho e a fadiga do
percurso (subtraindo o tempo do lazer e do descanso), o preço e a qualidade do
transporte (aliado políticas urbanas que expulsam os pobres das áreas centrais
de metrópole) limita a realização da vida. Daí as cenas dos transportes
insuficientes, lotados transportando por horas à fio, trabalhadores apinhados
como gado, que vivem amontoados nas periferias desurbanizadas. Já a vida
cotidiana se apresenta, tendencialmente, invadida por um sistema regulador, em
todos os níveis, que formaliza e fixa as relações sociais reduzindo-a a formas
abstratas limitando os usos do espaço diluindo direitos de acesso à metrópole
como um todo.
Matar
a fome, dar acesso precário à moradia, permitir o ir e vir com altos preços e
pouca qualidade não é construir as condições necessárias à realização do
humano, é apenas esboçar "direitos" que asseguram a legitimidade da
expropriação infinita e sempre reposta da desigualdade socioespacial. Deste modo
a prática espacial na metrópole aponta o empobrecimento e a deterioração da
vida social que é fonte de privação diante da extensão da mercantilização que
vai junto com a privatização do mundo. Portanto, a situação do cidadão reduzido
às condições de mera sobrevivência aponta a destituição do sentido da vida e da
dignidade humana e realiza a desigualdade como seu fundamento.
Assim
o processo de urbanização é condição mas também produto da realização do
processo de crescimento, sob a lógica e racionalidade, que sustenta uma
sociedade que vive sob o império sombrio da norma, da regularização que se
impõe ao sujeito subsumindo-o e impondo às relações sociais suas estratégias
como naturais da sociedade.
Convém
não esquecer que a desigualdade é a condição histórica que se repõe
constantemente ganhando novos contornos e aprofundando-se: o aumento do
desemprego, a deterioração do emprego formal, a extrema concentração de renda,
a fome, a vida como sobrevivência, são o desdobramento de uma história anunciada
de uma exploração desmedida perpetrada pelo processo de crescimento que não
gera desenvolvimento, apesar da retórica.
Mas
o cidadão desprovido dos conteúdos da cidadania continua se reproduzindo numa
luta constante pela sobrevivência e nela a consciência de que reduzido a suas
necessidades básicas (comer, beber, dormir,) realiza a condição inicial e
natural de sua vida como o outro do humano. Daí a resistência!
Os
movimentos sociais sinalizam, portanto, a consciência da "privação",
e portanto, sua leitura não pode fechar-se à esfera dos bens necessários a
realização da vida, posto que iluminam a escala da realização dos desejos de
criação de um projeto capaz de abrir-se para a construção de uma outra
sociedade. Não se referem, portanto à escala, do ter - presa a necessidade e ao
consumo. As lutas surgem nos interstícios da vida cotidiana como consciência
das desigualdades vividas em vários planos. Portanto as resistências apontam um
único significado reunindo várias perspectivas (bandeiras) nas quais se realiza
a desigualdade e a privação constituidoras da vida metropolitana. Ao se unirem
os movimentos reivindicatórios questionam aquilo que funda nossa sociedade: a
apropriação diferencial da riqueza, a desigualdade, os desmandos do poder.
Movem-se no sentido de questionamento da lógica do crescimento e das alianças
políticas que se realizam contra o social. Aparecem como luta pelo espaço da
metrópole, por um espaço democrático aonde possam exprimir-se e decidir sobre
seu destino.
Assim
as lutas introduzem e exigem práticas democráticas postando na mesa de
negociações os interesses da sociedade como um todo contra os interesses dos
empresários, como realização objetiva de lucros seja nos setores diretamente
produtivos, seja no plano dos investimentos e da especulação.Portanto, a renda
é significativa mas não revela a extensão da crise urbana que é antes, social.
O
recurso irracional à força impede o diálogo e amordaça a livre manifestação da
discordância, fundamento da democracia.
Ana Fani Alessandri
Carlos
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