segunda-feira, 17 de junho de 2013

Nem 3,20 nem 3,00: o problema é bem mais complexo.

    
A porcentagem de população que esta abaixo da linha da pobreza diminui, no Brasil, mas uma parte significativa da população da metrópole paulistana vive com salários irrisórios aonde a concentração exacerbada da riqueza separa e segrega com violência (a violência como conteúdo da urbanização, que não aparece nos jornais, nem ganha espaço nos noticiários). Em São Paulo, no ano de 2010, 36,4% da população recebia até 2 salários mínimos. Numa metrópole que se reproduz aumentando cada vez mais o deslocamento casa/trabalho e a fadiga do percurso (subtraindo o tempo do lazer e do descanso), o preço e a qualidade do transporte (aliado políticas urbanas que expulsam os pobres das áreas centrais de metrópole) limita a realização da vida. Daí as cenas dos transportes insuficientes, lotados transportando por horas à fio, trabalhadores apinhados como gado, que vivem amontoados nas periferias desurbanizadas. Já a vida cotidiana se apresenta, tendencialmente, invadida por um sistema regulador, em todos os níveis, que formaliza e fixa as relações sociais reduzindo-a a formas abstratas limitando os usos do espaço diluindo direitos de acesso à metrópole como um todo.

Matar a fome, dar acesso precário à moradia, permitir o ir e vir com altos preços e pouca qualidade não é construir as condições necessárias à realização do humano, é apenas esboçar "direitos" que asseguram a legitimidade da expropriação infinita e sempre reposta da desigualdade socioespacial. Deste modo a prática espacial na metrópole aponta o empobrecimento e a deterioração da vida social que é fonte de privação diante da extensão da mercantilização que vai junto com a privatização do mundo. Portanto, a situação do cidadão reduzido às condições de mera sobrevivência aponta a destituição do sentido da vida e da dignidade humana e realiza a desigualdade como seu fundamento.

Assim o processo de urbanização é condição mas também produto da realização do processo de crescimento, sob a lógica e racionalidade, que sustenta uma sociedade que vive sob o império sombrio da norma, da regularização que se impõe ao sujeito subsumindo-o e impondo às relações sociais suas estratégias como naturais da sociedade.

Convém não esquecer que a desigualdade é a condição histórica que se repõe constantemente ganhando novos contornos e aprofundando-se: o aumento do desemprego, a deterioração do emprego formal, a extrema concentração de renda, a fome, a vida como sobrevivência, são o desdobramento de uma história anunciada de uma exploração desmedida perpetrada pelo processo de crescimento que não gera desenvolvimento, apesar da retórica.

Mas o cidadão desprovido dos conteúdos da cidadania continua se reproduzindo numa luta constante pela sobrevivência e nela a consciência de que reduzido a suas necessidades básicas (comer, beber, dormir,) realiza a condição inicial e natural de sua vida como o outro do humano. Daí a resistência!

Os movimentos sociais sinalizam, portanto, a consciência da "privação", e portanto, sua leitura não pode fechar-se à esfera dos bens necessários a realização da vida, posto que iluminam a escala da realização dos desejos de criação de um projeto capaz de abrir-se para a construção de uma outra sociedade. Não se referem, portanto à escala, do ter - presa a necessidade e ao consumo. As lutas surgem nos interstícios da vida cotidiana como consciência das desigualdades vividas em vários planos. Portanto as resistências apontam um único significado reunindo várias perspectivas (bandeiras) nas quais se realiza a desigualdade e a privação constituidoras da vida metropolitana. Ao se unirem os movimentos reivindicatórios questionam aquilo que funda nossa sociedade: a apropriação diferencial da riqueza, a desigualdade, os desmandos do poder. Movem-se no sentido de questionamento da lógica do crescimento e das alianças políticas que se realizam contra o social. Aparecem como luta pelo espaço da metrópole, por um espaço democrático aonde possam exprimir-se e decidir sobre seu destino.

Assim as lutas introduzem e exigem práticas democráticas postando na mesa de negociações os interesses da sociedade como um todo contra os interesses dos empresários, como realização objetiva de lucros seja nos setores diretamente produtivos, seja no plano dos investimentos e da especulação.Portanto, a renda é significativa mas não revela a extensão da crise urbana que é antes, social.

O recurso irracional à força impede o diálogo e amordaça a livre manifestação da discordância, fundamento da democracia.

Ana Fani Alessandri Carlos




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